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Quando aqui, no hemisfério sul, começa o verão, tem início, na parte norte da terra, o inverno. Aí, na segunda metade do mês de dezembro, acontece, então, o chamado solstício de inverno. É quando a terra, atingindo o ponto máximo de distância do sol, no seu percurso elíptico ao seu redor, volta a se aproximar de seu astro central. Tem-se, então, a noite mais longa e o dia mais curto do ano. Ou, para os olhos humanos, depois de quase desaparecer nos horizontes do mundo, o sol volta lentamente a se aproximar da terra, com sua luz e calor. É como se fosse seu renascimento para o mundo.
Neste ponto, exatamente, muitos povos primitivos do hemisfério norte costumavam celebrar a Festa do Sol. Aí, reunidos ao redor do fogo, na noite mais longa do ano, decantavam o vigor, a beleza, a importância do grande astro, prestavam-lhe homenagens e, em preces, imploravam-lhe que retornasse para perto dos homens, pois, sem sua presença, a terra seria tão só frio e escuridão.
No ano de 274, o Imperador Aureliano (214-275) fixou, para todo o território romano, o dia 25 de dezembro como o Dies Natalis Invicti Solis, o Natal do Invicto Sol. 62 anos depois, em 336, Constantino I, o primeiro imperador cristão, decretou, então, para todo o império, que fosse celebrado nesse dia, 25 de dezembro, o dia do nascimento do verdadeiro sol, Jesus Cristo, cuja data de nascimento era (como é) completamente desconhecida.
Furius Dionysius Filocalus, copista e caligrafista do Papa Damaso I (366-384), confirma que, de fato, a cidade de Roma comemorou, em 336, pela primeira vez, na data de 25 de dezembro, o Natal de Jesus Cristo. Confirmado pelo Papa Julio I (280-352), 25 de dezembro se firma definitivamente, no ocidente cristão, como o dia no nascimento de Jesus Cristo, banindo para sempre no esquecimento todas as outras datas em que os primeiros cristãos celebraram o Natal de Jesus, tais como: 6 de janeiro (mantido até hoje na Igreja Ortodoxa), 28 de março, 20 de abril, 20 de maio, 18 de novembro, 17 de dezembro.
Uma inverdade histórica, pois a data precisa do nascimento de Jesus Cristo permanece para os cristãos uma indecifrável incógnita, mas repleta de símbolos e indicativos silenciosos da verdade de Jesus de Nazaré. Exatamente lá, onde as trevas se sobrepõem à luz e onde, numa noite que parece não ter mais fim, a solidão e os medos, o abandono e a insegurança envolvem os homens, precisamente aí quis a alma cristã recordar, para sempre, o nascer daquele que foi para o mundo um raio de luz.
Não tivesse sido tradicionada nenhuma outra informação sobre a vida e as palavras de Jesus ou tivesse chegado até nós apenas isto: que os cristãos, por não saberem a data de nascimento de seu Mestre e Senhor, decidiram fixá-lo e celebrá-lo na noite do solstício de inverno, apenas desta informação seria possível, sim, compreender quem foi Jesus de Nazaré para aqueles que o conheceram e se tornaram seus discípulos: na solidão, a proximidade; nos medos, a confiança repleta de esperanças; na insegurança, o vigor; no abandono, o carinho sem limites; nas trevas, a luz.
Não poderia ser de outra forma. Jesus tinha que nascer no meio das trevas, pois foi para todos aqueles que se encontram perdidos, na noite de sua angústia, nas trevas do abandono e da solidão, que veio dos céus esse raio de luz, a fim de fazê-los ver que, por mais obscuro que sejam seus caminhos, eles jamais, a partir dessa noite, estarão sós.
E era fria, terrivelmente fria, a noite em que veio ao mundo o Salvador, afirmam as lendas cristãs. Frio não é apenas quando, na ausência de todo calor, a sensibilidade se vai, os olhos ressecam, os passos se tornam penosos, a vida, contraindo-se, se petrifica. Frio é também quando vidas humanas, no vendaval de gelo da indiferença ou da superficialidade humana, tremem, desprotegidas. No frio de uma tal noite, nasceu o Salvador, a fim de que, para sempre, todos os enregelados pela frieza do mundo e dos homens sentissem o abraço dos céus. Tinha que ser assim, pois foi para esses que se ergueu dos céus esse sol de sagrado calor.
Mas existem as Escrituras Cristãs. E elas nos contam, em comoventes palavras, que Jesus nasceu não apenas na noite e no frio.
Sob o signo da exploração (censo) e das ameaças da maldade (Herodes), peregrino nas distâncias de um lar (Belém de Judá), no desalento de um estábulo, longe dos homens, sob o silencioso olhar apenas de seus pais e das estrelas, assim nasceu Jesus. Tinha que ser assim, pois só assim ele poderia dizer aos últimos desse mundo, aos que, em lugar algum, se sentem em casa, aos expropriados de sua dignidade, aos perseguidos por todas as maldades: Vinde a mim, ó vós que estais cansados e exaustos sob o peso de tantos sofrimentos. Eu cuidarei de vós (Mt 11, 28) E vós todos, que sois perseguidos, que chorais, que estais entristecidos e sofreis… Vós estais perto, muito perto, sim, dentro do coração de Deus (Mt 5, 1-12)
E tinha que ser Belém, a casa dos que sentem fome (Belém: bet laham: a casa do pão), o lugar de seu nascer e não Jerusalém ou Roma, a casa da opulência e da saciedade, a fim de que todos aqueles que trazem um vazio não apenas em seu estômago pudessem encontrar ali o pão que tanto procuram: o pão da vida (Jo 6, 35).
E de outra forma não poderia ser a vinda de Deus a esse mundo senão nas feições de um criança, frágil, indefesa, que, de si, nada tem a oferecer senão apenas seu ser e seu sorriso, a fim de que todos os pequenos e frágeis e indefesos desse mundo, a partir dessa noite, se sentissem, também eles, um lugar da encarnação da grandeza de Deus.
Sim, nesta noite, abrem-se os céus e de lá Deus deixa cair sobre a miséria do mundo uma lágrima de misericórdia e um sorriso de ternura: Jesus de Nazaré. Nele se manifestou a benignidade de Deus e seu amor pelos homens (Tit 3, 4). Desde essa noite, nós o sabemos: o que procurávamos longe, bem longe, para além de onde alcançam os nossos olhos, se nos tornou próximo, nas estreitezas deste mundo, velado nas feições de uma criança. É diante desse menino, assim simples, assim humano, que nossos joelhos se dobram e reverentemente, quase em silêncio, podemos dizer a nós mesmos: Eis aqui, entre nós, na tenda de nossa pobreza, o caminho, a verdade, a vida.
E se Deus, assim, assume, com imensa cordialidade, o mundo e a nossa humanidade, não é justo não amarmos também, de todo o coração, o que lhe foi assim tão querido. Não. A vida e o mundo não são e não precisam ser o cárcere de nossa liberdade, um vale de lágrimas, no qual peregrinamos, quais deserdados filhos e filhas de Eva, em exílio do paraíso. Não é justo olharmos com desprezo o que Deus, nessa noite, abraçou com tão sagrada devoção.
Antes, neste dia, ao menos nesse dia, poderíamos ver essa nossa terra, às vezes tão triste, às vezes tão bela, com delicadeza e gratidão, pois, um dia, como num berço, Deus aí se humanou. E neste dia, ao menos nesse dia, poderíamos contemplar todas as mulheres com sincera afabilidade, pois uma delas, Maria, trouxe em seu corpo um pedaço dos céus. E poderíamos, neste dia, ao menos nesse dia, olhar os varões em grato respeito, pois a um dentre eles, José, foi confiada a guarda do Filho de Deus.
E poderíamos, neste dia, ao menos nesse dia, abraçar todas as crianças, com reverente cuidado, pois num deles Deus mesmo habitou entre nós. E poderíamos, neste dia, ao menos neste dia, saudar, com humanidade, os animais, pois, sem lugar entre os homens, foi junto deles que veio ao mundo, em humildade, o Filho do Altíssimo. E poderíamos, nesse dia, ao menos nesse dia, abraçar-nos uns aos outros e dar-nos, em forma de presente, nosso sincero amor, pois, nesse dia, foi-nos dado o maior de todos os presentes: o amor humanitário de Deus.
Neste dia, ao menos nessa noite, poderíamos, então, olhar para o alto e percebermos: Jamais estamos sós e nunca mais será totalmente escura a vida dos homens, pois, em Jesus Cristo, Deus mesmo tornou-se também nosso próximo e irmão, para sempre. Alegremo-nos, pois, nesta noite, pois não pode haver tristeza quando nasce a vida (Leão Magno)