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Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judéia. Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Com um grande grito, exclamou: ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!’ Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu.’ (Lc 1,39-45)
É sempre algo misterioso o encontro de pessoas que se amam e que se tornaram, reciprocamente, importantes, vitais, essenciais. É como se elas, antes que factualmente se conhecessem, sim, antes mesmo que existissem, ainda no ventre
materno, desde toda a eternidade, estivessem a caminho uma da outra. Toda a sua vida parece ser um prelúdio, passos na direção deste encontro. Mais ainda. Sua afinidade e a intensidade de sua mútua pertença são tamanhas que é como se fossem feitos um para o outro, por mãos divinas, filhos, portanto, de uma mesma origem e entre si aparentados.
Assim foram, para os primeiros escritores cristãos, as duas figuras que arrebataram a atenção dos judeus, em torno do ano 30, na Palestina: Jesus de Nazaré (Mt 13, 55) e João Batista (Lc 1, 59-60). É como se eles, desde toda a eternidade, estivessem entre si entrelaçados e, não obstante toda a sua diferença, fossem, essencialmente, próximos e afins. É para expressar isso que nos é narrada por Lucas este encontro entre Jesus e João e suas verdades originárias (Maria e Isabel).
João e Jesus, dois homens diversos, embora próximos, que, por caminhos também diversos, tentam transformar o mundo e os homens. Sua visão é a mesma: As coisas não podem continuar como estão. Urge que os homens, finalmente, se convertam (Mc 1, 15). Mas como provocar isso?
João acreditava poder consegui-lo apelando ao bom senso, incendiando a boa vontade dos homens com o ardor de seus apelos, dizendo-lhes, com clareza e frontalmente, o que deveriam fazer para mudar a si e ao mundo. Era sua convicção e esperança: É preciso acordá-los de sua sonolência, se preciso for: aos gritos e, se ainda não sabem, dizer-lhes, sem farsas e falseios, o que devem fazer. Se cada um fizer aquilo que é seu dever, sem desculpas, sem demoras, tudo poderá mudar, ou, pelo menos, abrir-se-á um caminho no meio dos espinheiros e do deserto deste mundo. Uma compreensão simples, quase simplória, das razões do mal no mundo.
É a estratégia do quase desespero deste homem da ascética, do reto fazer, da moral, apaixonado por Deus e, por isso, exausto de tantas esperas, irritado com a frouxidão das eternas desculpas dos homens. E ele conseguiu muito. As Escrituras dizem que, despertas por seus clamores, multidões se converteram (Lc 7, 29).
Bem diferente disso, é o espírito de Jesus de Nazaré. Nalgum ponto de seus próprios passos (Lc 2, 52), Jesus, ele mesmo um discípulo do Profeta do Deserto (Jo 3, 26), há de ter percebido que não basta acuar os homens sob o prenúncio de desgraças e arrancar-lhes algumas boas obras por meio de chibatadas verbais e açoites morais, a fim de que a justiça seja observada. O máximo que consegue a moral (prescrição do reto fazer) é mudar alguns atos e atitudes, enquanto perdurar o temor de suas ameaças.
Os homens são maus não porque lhes falte vontade de serem bons, não porque não saibam o que devem fazer, como supõe João. Todos, de alguma forma ou nalgum ponto de nossa vida, intuímos as trilhas do bem e sabemos, com clareza, o que fazer e, não raro, queremos, apaixonadamente, ser retos e corretos e justos, mas não o conseguimos (Rom 7, 19). Somos todos frágeis demais, pequenos, inseguros demais, vacilantes, medíocres demais, mais do que vilões, vítimas e prisioneiros de invisíveis estreitezas e de enigmáticos medos.
E, por isso mesmo, carentes não da vara e da ira de Deus (Sl 89, 30-34), mas de seu perdão, não de um novo dilúvio (Gen 9, 11 / Is 54, 9), mas de uma lágrima de sua imensa misericórdia e da infinita compreensão de seu amor humanitário (Ti 3, 4). Assim fora a promessa de Deus: Eis que vos enviarei o meu servo, aquele sobre o qual repousam a minha afeição e o meu espírito. Ele não gritará e não clamará nas ruas. Não esmagará a cana já quebrada, nem extinguirá a brasa que ainda fumega (Is 42, 1-4).
Em Jesus de Nazaré, viram os primeiros cristãos realizadas essas promessas (Mt 12,18-21). Por isso chamaram-no de Messias, o ungido e enviado de Deus para reconduzir os homens à salvação, à paz, à vida.
No fundo, eles se co-pertencem: João Batista, a clareza do próprio pecado… e Jesus de Nazaré, o perdão de Deus sobre os homens e o mundo. O primeiro prepara o caminho e, por isso, é o precursor. O segundo, é o próprio caminho e, por isso, o redentor.
Nesta belíssima narrativa de Lucas, encontramos Jesus, subindo as escarpas da região montanhosa da Judéia, ele vai na direção da pequena cidade de En Karem (Ain Karem), na busca de João. É a graça indo ao encontro do esforço, da dura e insuportável consciência da própria miséria, prenunciando o advento não do machado e do fogo (Lc 3, 9), mas da delicadeza e do perdão de Deus, da graça sobre graça (Jo 1, 16).
Agora, o esforço (João) intui, sente e sabe: Deus já está vindo e, com ele, a sua misericórdia (Jesus). Por isso, João – o homem da gravidade, da sisudez, da face triste, assombrada, sombria e sofrida – sorri, em sobressalto de alegria, o velado sorriso dos redimidos e canta: Bendito seja Deus e bem-aventurada a sua promessa. Nunca são
em vão os nossos esforços. Mas somente a graça nos enche de alegria.
Frei Prudente Nery – OFMCap.